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O direito de brincar
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Na contramão do
mercado, um seletíssimo grupo de escolas particulares da cidade de São Paulo,
incapaz de atender a todos os pedidos de matrícula, criou uma prova para
selecionar candidatos a vagas de ensino fundamental e médio. O chamado
"vestibulinho" - uma das preocupações até há pouco exclusivas da
elite paulistana, disposta a bancar uma mensalidade acima de R$ 1.000-
tornou-se, na semana passada, foco de uma polêmica nacional.
Com direito a apoio do ministro Cristovam Buarque, o Conselho Nacional de Educação recomendou a proibição dos "vestibulinhos". Motivo: os testes gerariam em crianças tão pequenas uma ansiedade destrutiva, abalando-lhes a auto-estima. Mas será que a responsabilidade do estresse é das escolas que aplicam o teste ou dos pais que submetem seus filhos ao processo de seleção precoce? Por conta da busca do sucesso, uma tendência se espalha na sociedade -e explica, em parte, por que os pais submetem seus filhos ao "vestibulinho". Crianças de famílias mais ricas têm um cotidiano de executivo, ocupadas de manhã até a noite. Tudo isso em nome do futuro, mais precisamente, em nome do vestibular, porta para as melhores faculdades. Talvez não exista como substituir o vestibular enquanto houver, nos cursos mais concorridos, mais candidatos do que vagas -aliás, é exatamente isso o que ocorre no seletíssimo grupo de escolas que aplicam o "vestibulinho", disputadas porque as famílias confiam em sua qualidade. Mas o vestibular como instrumento de avaliação de aptidões é inútil; mede, no máximo, conhecimento passageiro e descartável. Educar é ensinar o encanto da possibilidade, e aprender é sentir a emoção da descoberta. Gostar de aprender sempre é o melhor (e o mais útil) que uma escola pode ensinar a seus estudantes. O resto é detalhe. Somente progride, de verdade, em sua profissão quem gosta de aprender; basta ver o histórico das pessoas que atingiram sucesso profissional. Ansiosos, os pais querem que seus filhos aprendam rapidamente a ler e a escrever, quando deveriam apenas saborear a "contação" de histórias. As crianças ganham computadores e são obrigadas a brincar com jogos educativos; muitas são submetidas a programações culturais maçantes. Quando crescem, são empurradas para os mais diferentes tipos de curso complementar. Obviamente, nada contra programações culturais, domínio da leitura, da escrita e da informática ou contra os cursos de línguas. O problema surge quando se atinge, em nome do futuro, o direito de brincar -e se arrisca, então, o próprio futuro. Brincar é, em essência, experimentar a emoção da descoberta. É surpreender-se investigando, no cume da árvore, as frutas e as flores. É admirar as conchas na praia, olhar os peixes no rio, sentir o gosto da chuva no rosto, sujar-se na lama, entrar em cavernas. Ou simplesmente ficar sem fazer nada vendo as coisas, quaisquer coisas, passarem, entretido com o canto de um passarinho. É cutucar a terra, descobrir a minhoca, cortá-la em pedaços e ver as várias partes se contorcerem. É ficar sentado, intrigado com as cores do arco-íris. Na brincadeira, unem-se o prazer e o aprendizado. Todos os grandes profissionais que conheci trabalham como se estivessem brincando. Até podem gostar de ganhar muito dinheiro, mas, provavelmente, fariam o que fazem (e com o mesmo empenho) por pouco dinheiro. Dizem que a exceção confirma a regra, mas ainda não vi, nesse caso, a exceção: quanto mais longe vai o indivíduo, mais prazer ele tem naquilo que faz. Por isso ele suporta tanto estresse e frustração -o preço que é cobrado pelo alto desempenho. Mesmo que curse a melhor faculdade e tire ótimas notas, o estudante não vai muito longe se não tiver aprendido, dentro ou fora da escola, onde está o melhor de si próprio. Isso significa que o pior que pode acontecer a um adulto é ter matado a sua criança brincalhona. Para ser um profissional razoável, estudo e empenho já são um bom caminho. Para ser bom, além de estudo e empenho, exigem-se talento e intuição. Mas para ser inovador e superar os patamares de excelência, é preciso, além de tudo isso, sentir sempre e intensamente a emoção da descoberta -ou seja, gostar de brincar. PS - Por obrigação profissional, vivo metido no meio de pessoas de sucesso, marcadas pela notável superação de limites. Vejo como o brilho provoca a ansiedade do reconhecimento permanente. Aplauso vicia. Arriscando-me aqui a fazer psicologia de botequim, frase de livro de auto-ajuda ou reflexões vulgares da meia-idade, exponho uma desconfiança: o adulto que gosta de brincar e não faz sucesso tem, em contrapartida, a magnífica chance de ser mais feliz, livre do vício do aplauso, mais próximo das coisas simples. O problema é que parece ridículo uma escola informar aos pais que mais importante do que gerar bons profissionais, máquinas de produção, é fazer pessoas felizes por serem o que são e gostarem do que gostam. Coluna originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo, aos domingos. |
quarta-feira, 16 de maio de 2012
O direito de brincar
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